Author: Rafael Stefanini Auilo e Maria Luísa Bruschi
10/01/23
O novo Regulamento de Arbitragem do CAM-CCBC foi aprovado em 1º de agosto de 2022 pelo Conselho Consultivo, com divulgação ao público em 17 de outubro no IX Congresso CAM-CCBC de Arbitragem. Refletindo os 10 anos de experiência acumulada com a aplicação do Regulamento anterior, do ano de 2012, bem como as práticas realizadas durante a pandemia de Covid-19, o novo Regulamento entrou em vigor no dia 1º de novembro de 2022 e conta com inovações importantes sobre o procedimento aplicável a arbitragens sob administração do Centro.
Nesse contexto, a seguir são comentadas algumas das principais mudanças trazidas pelo novo Regulamento.
De pronto, o art. 1.2 do Regulamento de 2022 inova ao estabelecer que a instituição “também poderá administrar processos regidos pelo Regulamento de Arbitragem da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional (UNCITRAL)”, para além da hipótese de aplicação do próprio Regulamento, conforme dispunha o regramento de 2012. Essa mudança contribui para que o CAM-CCBC se torne ainda mais atrativo no tocante à administração de litígios transnacionais.
Conforme prática intensificada no contexto pandêmico, o art. 3.1 expressamente determina que as comunicações escritas “serão realizadas de forma eletrônica com comprovante de envio ou de recebimento, salvo acordo expresso em contrário das partes”, substituindo a utilização de vias físicas. Na mesma linha, a sentença arbitral poderá ser assinada eletronicamente (art. 30.6.1), enquanto os atos do procedimento poderão ocorrer em local diverso ao da sede, conforme já previsto no Regulamento anterior, podendo também ocorrer “remotamente por videoconferência ou outro meio de comunicação, a critério do tribunal arbitral” (art. 4.3). Essas inovações são indubitavelmente positivas para todos os envolvidos nos processos, por modernizar e agilizar todas as comunicações, além de estar de acordo com as principais práticas ESG.
Em prática semelhante ao que acontece com o processo civil, no tocante a elementos indispensáveis da petição inicial e potenciais correções de vícios, o art. 7.1 elenca os requisitos necessários à apresentação da demanda e estabelece que, em caso de ausência não sanada no prazo estabelecido pela Secretaria, o procedimento pode ser arquivado, “sem prejuízo do direito de apresentar a demanda em novo requerimento de arbitragem” (art. 7.2). O dispositivo também inova quanto à apresentação de “propostas ou outras informações relevantes quanto ao número e escolha dos árbitros ou, caso acordado pelas partes, a sua indicação” (art. 7.1 (g)) e de “informações sobre partes relacionadas e financiamento de terceiros” (art. 7.1 (h)).
Por sua vez, conforme o art. 8.1, a resposta ao requerimento deve conter elementos semelhantes, sendo oportunizado ao requerido apresentar “pedido de inclusão de partes, se for o caso” (item e). Uma vez constituído o tribunal arbitral, a integração da parte
adicional será decidida após a manifestação das partes (art. 18.4) – o que ratifica a importância do contraditório e a vedação da decisões-surpresa. Por sua vez, havendo consentimento de todas as partes envolvidas, sua admissão será realizada previamente pela Presidência do Centro (art. 18.2 (a)) ou quando “a parte adicional possuir relação com questão controvertida submetida à arbitragem e puder, em análise prima facie, ser considerada vinculada à convenção arbitral” (art. 18.2 (b)), sendo tal decisão passível de revisão pelo tribunal arbitral, quando constituído (art. 18.3). Em ambas as hipóteses, “a parte a ser integrada ao processo arbitral deverá concordar com o tribunal arbitral constituído e deverá ser firmado adendo ao Termo de Arbitragem” (art. 18.6) – disposição essa que aparentemente busca evitar que futuramente discuta-se a higidez do processo com base no não exercício do direito de escolha do árbitro. É certo, contudo, que
discussões deverão advir na hipótese de a parte não concordar com o formação do tribunal, assim como se haverá ou não, dentro desse contexto, um controle apriorístico por parte da jurisdição estatal.
O dever de informação quanto à existência de um contrato de financiamento de terceiros é reiterado no art. 9.6, “para que os árbitros possam e verificar e revelar aexistência de eventual conflito”. Essa inovação segue o disposto no art. anterior, segundo o qual “As partes deverão informar as pessoas físicas e jurídicas materialmente relevantes à arbitragem para permitir aos árbitros realizar a verificação de eventual conflito”, de forma que a identificação dos financiadores busca evitar possíveis conflitos de interesse; e também a o que vinha disposto no art. 4º da Resolução Administrativa 18/2016, que já recomendava que as partes informassem “a existência de financiamento de terceiro ao CAM CCBC na primeira oportunidade possível”. Trata-se de uma inovação importante, que busca de alguma forma fortalecer o esquema de checagem de conflitos e, assim, evitar que futuras sentenças arbitrais anuladas com base em fundamento correlato.
Ainda no contexto de conflito de interesses, o art. 9.7 veda sua criação artificial, isto é, posteriormente à constituição do tribunal arbitral, por meio de alegação de “fato superveniente que caracteriza impedimento a um ou mais árbitros, inclusive sob a alegação de alteração de sua respectiva representação, financiamento ou assistência”; tudo sob pena de aplicação de medidas adequadas pelo tribunal ou pela própria instituição. Essa alteração reforça o ônus de reação das partes, que têm de promover sua impugnação na primeira oportunidade, a fim de evitar retrocessos desnecessários e manobras abusivas no tocante ao desenvolvimento do processo.
O novo Regulamento apresenta importantes inovações acerca de arbitragens multipartes. No caso de pluralidade de partes, quando não houver consenso sobre a formação do tribunal arbitral, poderá a Presidência “nomear todos os membros do tribunal arbitral, indicando um deles para atuar como presidente”, de acordo com “os interesses perseguidos pelas partes na arbitragem” (art. 12.1). Essa prática é reconhecida internacionalmente desde o Caso Dutco1 , como forma de procurar manter o tratamento igualitário entre as partes nas arbitragens multipartes. A possibilidade de deduzir demandas relacionadas a múltiplos contratos no mesmo processo arbitral está condicionada à presença simultânea dos requisitos de compatibilidade entre as convenções de arbitragem; origem comum dos pedidos (mesmo negócio jurídico ou série deles); e ausência de impacto significativo à eficiência e celeridade do processo (art. 20.3). A decisão será da Presidência do CAM-CCBC (art. 20.2), sendo passível de revisão pelo tribunal arbitral, quando constituído (art. 20.4).
Com fins de se evitar decisões conflitantes em processos paralelos, o novo Regulamento dispõe sobre a consolidação dos procedimentos arbitrais, indo além da possibilidade de reunião de procedimentos prevista no Regulamento de 2012. De acordo com o art. 19.1, duas ou mais arbitragens pendentes e submetidas ao Regulamento poderão ser consolidadas pela Presidência do CAM-CCBC em caso de acordo entre as partes (art. 19.1 (a)); demandas baseadas em sua totalidade na mesma convenção de arbitragem (art. 19.1 (b)); convenções de arbitragem compatíveis (art. 19.1 (c)(iii)); arbitragens envolvendo as mesmas partes (art. 19.1 (c)(i)) ou a mesma relação jurídica (art. 19.1 (c)(ii)). Resolvendo um vácuo até então existente e assim evitando potenciais 1 Dutco v. BKMI e Siemens, Corte de Cassação, França, 7.1.1992. discussões futuras, a consolidação se dará no processo arbitral iniciado em primeiro lugar, salvo se acordado o contrário (art. 19.3) ou se por outra razão tal não poder se dar.
Na esteira da Resolução Administrativa 32/2018, o art. 21 introduz a figura do árbitro de emergência , com seu procedimento regrado pelo Anexo I, oferecendo às partes uma alternativa à jurisdição estatal no tocante a medidas de urgência antes da constituição do tribunal arbitral – o que, é claro, deverá ser sempre sopesado e examinado pelas partes, em termos de relação custo-benefício, no momento de redação da convenção de arbitragem, tanto mais diante da adoção de um sistema o pt out. É dizer, salvo estipulação contrária, as partes deverão pleitear tutela provisória a um árbitro de emergência, a quem competirá adotar medidas que “por sua natureza, não possam aguardar a constituição do tribunal arbitral” (art. 21.2). O Regulamento ainda prevê que o recurso ao árbitro de emergência “não implica renúncia das partes a outras medidas de urgência perante autoridade judicial competente” (art. 21.4).
Assim como no Regulamento anterior, a estabilização da demanda se dá com a assinatura do Termo de Arbitragem (art. 23.4). Porém, na esteira do que previam outros diplomas de instituições estrangeiras, o novo Regulamento prevê a possibilidade de alteração, modificação ou aditamento dos pedidos após assinatura do Termo, desde que autorizada pelo tribunal arbitral. Para tanto, deverão os árbitros“ considerara natureza de tais novas demandas, o estado atual da arbitragem e quaisquer outras circunstâncias relevantes” (art. 23.5). A medida busca tornar o processo e o procedimento mais flexíveis, permitindo às partes ajustes na demanda, embora somente a prática dirá com a efetividade
da alteração, bem como se abusos virão a ser cometidos. De um modo ou de outro, é certoque o devido processo legal e a duração razoável do processo, assim como demais ônuse deveres servirão como régua para que os árbitros decidam ou não pela introdução denovas demandas após a devida estabilização.
O novo Regulamento conta com disposições específicas acerca do procedimento expedito, antes regrado pela Resolução Administrativa 46/2021. A arbitragem expedita, salvo se houver convenção que exclua sua aplicação (art. 36.2), será automática a todos os processos cujo valor em disputa seja inferior a R$3.000.000,00 (três milhões) –sistema, portanto, de natureza o pt out. É essa a leitura do art. 36.1 do Regulamento em conjunto com o art. 52 do Regramento de Custas. Porém, a aplicação do procedimento expedito também pode ser afastada pela Presidência, de ofício ou mediante provocação, considerando a complexidade e outras circunstâncias relevantes do caso (art. 36.3 e 36.4).
O novo Regulamento também conta com artigos mais detalhados sobre confidencialidade do processo (art. 39), manutenção dos autos após o encerramento do caso (art. 40); responsabilidade dos árbitros, do Centro e de pessoas a ele vinculadas (art.42.1); tratamento de dados pessoais (art. 41); e objeções ao não cumprimento das disposições do Regulamento ou de quaisquer outras regras aplicáveis ao litígio (art. 42.2).Em semelhante aplicação da regra hermenêutica relativa ao Direito intertemporal de normas processuais, o novo Regulamento aplica-se a todos os processos cujos requerimentos tenham sido apresentados a partir de 1º de novembro de 2022 (art. 43.2).Porém, privilegiando-se a autonomia privada, é facultado às partes optarem pelo novo Regulamento também em arbitragens apresentadas antes de tal data, desde que seus Termos de Arbitragem sejam firmados após a entrada em vigor do Regulamento (art.43.3). Assim, para as arbitragens cuja assinatura do termo de arbitragem esteja pendente, é importante que haja uma avaliação pormenorizada das possíveis vantagens da adoção do Regulamento de 2022 em face das mudanças por ele trazidas.
O novo Regulamento do CAM-CCBC, portanto, reflete a experiência prática acumulada não apenas nas arbitragens administradas pelo Centro, mas também aquela decorrente da prática internacional e de outras instituições igualmente renomadas; tudo no sentido de busca solucionar problemas frequentemente vistos em litígios complexos e fortalecer positivamente instituto – é o que se espera e o que se roga venha a ocorrer (ainda mais) com o passar do tempo.
Author: Rafael Stefanini Auilo e Maria Luísa Bruschi