Autor: Maria Carolina de Oliveira Camolesi, Julia Rugno e Rhenzo Pugliese Abou Haikal
08/04/24
A penhora de cotas de fundos de investimento fechados é um tema relevante no atual contexto jurídico e financeiro, envolvendo questões legais complexas e impactos significativos para os investidores.
Antes de discutir a penhora das cotas em si, é importante entender que um fundo de investimento, de acordo com a Resolução CVM 175/22, “é uma comunhão de recursos, constituído sob a forma de condomínio de natureza especial, destinado à aplicação em ativos financeiros, bens e direitos, de acordo com a regra específica aplicável à categoria do fundo”. O fundo pode se classificar entre aberto ou fechado. Diferentemente dos fundos abertos, onde os investidores, sempre nos termos do regulamento do fundo, podem solicitar resgate das cotas a qualquer tempo – momento no qual ocorre a liquidação do ativo –, os fundos fechados “só permitem o resgate das cotas ao término do seu prazo de duração”[1].
E o instituto da penhora, como é sabido, está previsto no Código de Processo Civil (arts. 831 a 869) e pode ser classificado como “o ato executivo que afeta determinado bem à execução, permitindo sua ulterior expropriação, e torna os atos de disposição do seu proprietário ineficazes em face do processo“[2].
Nesse sentido, tem-se que a penhora de cotas de fundo de investimento fechado é um ato processual, previsto no art. 835, III, do CPC, pelo qual as cotas de um fundo são penhoradas para garantir o pagamento da dívida do cotista devedor. E, quando aperfeiçoada, é comum a prolação de ordens judiciais determinando a transferência dos valores das cotas para a conta judicial do processo, o que atrai uma grande problemática sobre a viabilidade desse comando do ponto de vista do resgate antecipado de uma cota de um fundo de investimento fechado.
Isso porque, “como a maioria dos fundos de investimento é caracterizada pela sua elevada liquidez e poucas restrições de resgate, criou-se a falsa percepção de que todos eles permitiriam a instantânea liquidação das respectivas cotas. No entanto, fundos fechados não admitem o resgate imediata as suas cotas”[3]. E, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmado em sede de recurso repetitivo (REsp nº 1.388.638/SP) as cotas de um fundo de investimento consistem em valores mobiliários, não se equiparando, para efeito de ordem legal, ao conceito de dinheiro.
Portanto, se por um lado os credores pretendem receber seu crédito de forma célere, por outro, é válido esclarecer que o resgate antecipado das cotas de um fundo de investimento fechado pode ter diversas implicações negativas de ordem financeira para os investidores do fundo. Afinal, geralmente, um fundo de investimento fechado tem duração de médio a longo prazo, pois “a impossibilidade de resgate das quotas tem por função oferecer a estabilidade do investimento feito”[4].
Diante desse cenário, cada vez mais o Poder Judiciário, em especial o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, tem se deparado com essas questões, cujo entendimento que vem sendo adotado, em sua grande maioria, consiste na impossibilidade de se proceder com o resgate antecipado das cotas nos casos de fundo de investimento fechado, sob de pena de prejudicar os demais cotistas e até mesmo causar insegurança e instabilidade no mercado financeiro[5].
Independentemente de se concordar ou não com tais recentes decisões, trata-se de importante entendimento que possivelmente tenderá a ser observado pelos operadores do Direito, especialmente por aqueles litigam nessa seara.
[1] Cf. SILVA, João Paulo Hecker da; VASCONCELOS, Ronaldo; GATTI, Carolina Cristensen; ABE, Isabella Christina Capasso. Penhora de Cotas de Fundo de Investimentos fechados. In: Direito dos Fundos de Investimentos, São Paulo: RT, 2023, p. 437.
[2] Cf. ASSIS, Araken de. Manual da execução. 17ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 709.
[3] Cf. SILVA, João Paulo Hecker da; VASCONCELOS, Ronaldo; GATTI, Carolina Cristensen; ABE, Isabella Christina Capasso. Penhora de Cotas de Fundo de Investimentos fechados. In: Direito dos Fundos de Investimentos, São Paulo: RT, 2023, p. 437.
[4] Cf. SATIRO, Francisco. Constrição judicial sobre ativos de fundos de investimento em participações. In: Tarcísio Teixeira (org) Direito Empresarial – estudos em homenagem ao professor Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa, São Paulo: IASP, 2015, pp. 561/596.
[5] TJSP, Agravo de Instrumento nº 2126383-96.2017.8.26.0000, Rel. Des. José Roberto Furquim Cabella, 6ª Câmara de Direito Privado, j. em 7/6/2018; TJSP, Agravo de Instrumento nº 2091727-79.2018.8.26.0000, Rel. Des. Walter Fonseca, 11ª Câmara de Direito Privado, j. em 19/7/2018; TJSP, Agravo de Instrumento nº 2292916-40.2020.8.26.0000, Rel. Des. Rezende Silveira, 2ª Câmara de Direito Privado, j. em 23/2/2021.
Autor: Maria Carolina de Oliveira Camolesi, Julia Rugno e Rhenzo Pugliese Abou Haikal