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06/11/23

Paternidade post mortem: a verdade que transcende eventual resistência das partes

O direito ao reconhecimento de paternidade está assegurado na Constituição e permite que os filhos, havidos ou não da relação do casamento, obtenham, de forma judicial ou extrajudicial, o reconhecimento de sua paternidade biológica; ainda que o potencial genitor tenha falecido ou seu paradeiro seja desconhecido.

Especificamente sobre a via judicial, o reconhecimento fica condicionado às provas a serem produzidas nos autos, sendo usualmente a mais almejada pela parte interessada a do exame de pareamento do código genético — isto é, do ácido desoxirribonucleico (DNA) —, que, conforme regula a Lei 8.560/92, pode ser determinado pelo juiz na hipótese de falecimento do potencial genitor ou, ainda, na ausência de notícias sobre seu paradeiro. Para tanto, faz-se necessário que o autor apresente elementos que justifiquem a sua pretensão.

Dentre as derivações do exame de DNA que tendem a ter maior precisão – e, por conseguinte, deveriam propiciar mais celeridade ao processo de investigação de paternidade post mortem –, existe o método da reconstrução genética, cujo procedimento emprega amostras biológicas de parentes de primeiro grau do potencial genitor (quando falecido ou ausente) com o propósito de determinar o seu vínculo genético com a parte investigante. O método consiste em analisar marcadores genéticos específicos presentes no DNA, com potencial para, senão confirmar, ao menos descartar um vínculo de paternidade com elevada confiabilidade.

Para que o procedimento seja o mais preciso possível, é desejável que o número de parentes de primeiro grau submetidos à reconstrução genética seja adequado e, principalmente, que o parentesco com o investigado seja incontestável, evitando-se resultados inconclusivos ou conclusões imprecisas.

Naturalmente, a aplicação de tal método se submete ao espírito colaborativo das partes envolvidas e, a depender da litigiosidade e/ou recusa que podem permear a ação de investigação de paternidade, a sua realização poderá não ser efetivada.

Havendo recusa e sendo as demais provas de conteúdo incontestável, o juiz poderá formar seu convencimento com base na presunção relativa (juris tantum) de paternidade, nos termos do Enunciado 301 do STJ, ora aplicado analogamente em casos de genitor falecido ou de paradeiro desconhecido.

Contudo, se as provas até então produzidas não forem suficientes para ensejar o reconhecimento do vínculo paterno-filial, o que seria atestado pelo exame de DNA, o juiz, pautando-se na busca da verdade real, poderá possibilitar ao interessado o uso de todos os meios legais e moralmente legítimos para que alcance o seu direito fundamental e personalíssimo à identidade biológica. Nesse contexto, a exumação cadavérica do potencial genitor poderá ser deferida.

Ainda que se trate de decisão delicada para os parentes do potencial genitor, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é uníssono no sentido de que o direito do autor da ação deve prevalecer sobre a tutela jurídica post mortem da personalidade humana, de modo que não há violação a preceito legal, mas, sim, uma providência probatória inserida pelo Código de Processo Civil como faculdade instrutória do juiz.

Diante de tais fatos, é crucial reconhecer que a decisão a ser tomada — recusar ou não o fornecimento de material genético — desencadeará desafios e dilemas para todas as partes, pois, mesmo no melhor dos cenários (no qual os envolvidos se prontificam a cooperar para alcançar a solução da controvérsia), haverá o desconforto inerente à situação.

Autor: Por Gabriella Machado Assalis e Nathalia Ziviani Costa

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