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09/10/23

Direito de resposta: direito autônomo ou faceta da reparação ao dano moral?

Em 12 de novembro de 2015, foi publicada a Lei nº 13.188/2015 (Lei do Direito de Resposta), que “dispõe sobre o direito de resposta ou retificação do ofendido em matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo de comunicação social”, a fim de regulamentar o exercício do direito de resposta previsto no artigo 5º, V, da CF [1]. Tal norma preencheu a lacuna deixada pela inconstitucionalidade do artigo 30 [2], da Lei nº 5.250/1967 (antiga “Lei de Imprensa”) — cujo inteiro teor não foi recepcionado pela Constituição de 1988 [3] —, estabelecendo rito próprio para as pretensões nela baseadas.

A teor do artigo 1º, da Lei do Direito de Resposta, e de acordo com a doutrina especializada, “o direito de resposta é meio de proteção da imagem e da honra do indivíduo que se soma à pretensão de reparação de danos morais e patrimoniais decorrentes do exercício impróprio da liberdade de expressão” [4]. Ainda, “poderíamos apontar que o direito de resposta abrange dois institutos: o direito de retificação e o de réplica. Aquele cognato à notícia (falsa, irrelevante, imprecisa, descontextualizada etc.), este à crítica” [5].

Devido à essa duplicidade, apesar da origem constitucional [6] do jus em comento, discutiu-se sobre a sua proximidade com outras figuras, abaixo, que igualmente resultavam na alteração ou na divulgação de matéria jornalística ou de publicação em veículo de comunicação social.

Nesse diapasão, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) delimitou o direito de resposta, asseverando que “tem contornos específicos, constituindo um direito conferido ao ofendido de esclarecer, de mão própria, no mesmo veículo de imprensa, os fatos divulgados a seu respeito na reportagem questionada, apresentando a sua versão da notícia ao público”, ao passo que “[na] pretensão de impor ao ofensor o ônus de publicar integralmente a decisão judicial condenatória proferida em seu desfavor (…) não se objetiva assegurar à parte o direito de divulgar a sua versão dos fatos mas, em vez disso, dá-se ao público o conhecimento da existência e do teor de uma decisão judicial a respeito da questão” [7].

Na mesma esteira, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.418/DF [8], o STF (Supremo Tribunal Federal) diferenciou o direito de resposta do direito de retificação ou de retratação espontâneas, concluindo que “não existe equivalência entre uma resposta ou retificação veiculada pelo veículo de comunicação social e o conteúdo veiculado pelo ofendido em nome próprio”, de sorte que “mesmo após a retratação ou a retificação espontânea pelo veículo de comunicação social, remanesce o direito do suposto ofendido de acionar o rito especial da Lei no 13.188/15 para que exerça, em nome próprio, seu alegado direito de resposta, nos termos do artigo 2º, §3º, da Lei no 13.188/15, declarado constitucional” [9].

Nesse sentido, o direito de resposta ainda difere da retratação prevista no artigo 143, parágrafo único [10], do Código Penal, na medida em que, embora se contraponha à lesão à honra, resulta do reconhecimento de calúnia e/ou difamação.

Ainda nesse viés, é também necessário distinguir o direito de resposta da retratação [11], faceta da reparação do dano moral. Com efeito, mesmo antes do advento da Lei do Direito de Resposta, o Superior Tribunal de Justiça já entendia que a retratação integrava a reparação do dano aos direitos da personalidade [12] (Código Civil, artigos 12 e 20). Tal entendimento foi sedimentado também no Enunciado 589 [13], da VII Jornada de Direito Civil, sendo certo que, como explica Judith Martins-Costa, na reparação in natura “está a ficção de que se encontrando a vítima de volta ao status quo ante, todo o dano foi apagado” [14], mesmo porque, nas palavras de Pontes de Miranda, o retorno ao estado de origem implica reparar “‘todo o dano’, [que] se hão de entender o dano em si e as repercussões do dano na esfera jurídica do ofendido; portanto, tudo o que o ofendido sofreu pelo fato que o sistema jurídico liga ao ofensor” [15].

Nessa esfera, o subjetivismo do julgador ganha destaque [16], pois, segundo leciona Antonio Carlos de Campos Pedroso, “o Código Civil não delineou um sistema para a mensuração das sanções relativas à compensação satisfatória e pena privada. (…) Tem o juiz amplos poderes para fixar a forma e o quantum da reparação em cada caso concreto. N a verdade, o juiz completa a tarefa do legislador. (…) O juiz deve compor a norma individualizada da reparação dos danos morais. Seu critério é sempre o da equidade” [17].

Então, apesar de provocarem efeito prático idêntico, o direito de resposta não se confunde com o direito à retratação, porque o primeiro serve à tutela específica do direito previsto no artigo 5º, V, da Constituição e no artigo 14, do Pacto de São José da Costa Rica [18], a ser exercida em prazo e mediante rito especiais; ao passo que o segundo busca a reparação integral do dano moral suportado pelo ofendido, seja pela prática de ato ilícito (Código Civil, artigo 186), seja pelo abuso de direito (Código Civil, artigo 187), o que, com base na redação dos artigos 927 e 944, do Código Civil, suplanta a pura indenização pecuniária.

Não por outra razão, o STF, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 130/DF, garantiu a “aplicabilidade [repita-se, distinta] dos seguintes incisos do artigo 5º da mesma Constituição: vedação do anonimato (parte final do inciso IV; do direito de resposta (inciso V); direito a indenização por dano material ou moral à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas (inciso X)” [19].

Da mesma forma, na feliz redação do artigo 1º, §3º, da Lei do Direito de Resposta, constou que “A retratação ou retificação espontânea, ainda que a elas sejam conferidos os mesmos destaque, publicidade, periodicidade e dimensão do agravo, não impedem o exercício do direito de resposta pelo ofendido nem prejudicam a ação de reparação por dano moral” — sem limitar a reparação do dano extrapatrimonial à pura indenização.

O STJ, na mesma linha, afastando o regime especial da Lei do Direito de Resposta, esclareceu que “com amparo na ausência de previsão legal expressa e na impossibilidade de confusão entre o direito de retratação e o direito de resposta, bem como se arvorando na inviabilidade de se argumentar que o princípio da reparação integral do dano (artigo 944 do CC) subsidiaria o pleito, a Terceira Turma do STJ já se posicionou desfavoravelmente à possibilidade de publicação da decisão condenatória”, concluindo, ao final, ser “imperativo o reconhecimento da subsistência do direito de retratação fundamentado na legislação civil (artigos 927 e 944 do CC), mesmo após o julgamento da ADPF nº 130/DF, preservando-se a finalidade e a efetividade da responsabilidade civil” [20].

Portanto, concluiu-se que o direito de resposta possui contornos próprios, e, em que pese alcance o mesmo no plano material, a sua natureza não se assemelha com a da retratação, figura de Direito Civil, que decorre da própria indenização in natura para reparação integral do dano causado aos direitos da personalidade

 

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[1] “Artigo 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”.

[2] “Artigo 30. O direito de resposta consiste:
I – na publicação da resposta ou retificação do ofendido, no mesmo jornal ou periódico, no mesmo lugar, em caracteres tipográficos idênticos ao escrito que lhe deu causa, e em edição e dia normais;
II – na transmissão da resposta ou retificação escrita do ofendido, na mesma emissora e no mesmo programa e horário em que foi divulgada a transmissão que lhe deu causa; ou
III – a transmissão da resposta ou da retificação do ofendido, pela agência de notícias, a todos os meios de informação e divulgação a que foi transmitida a notícia que lhe deu causa”.

[3] No julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 130/DF, o Supremo Tribunal Federal “[declarou] como não recepcionado pela Constituição de 1988 todo o conjunto de dispositivos da Lei federal nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967”, assegurando, assim, o “regime de plena liberdade de atuação da imprensa” (STF, ADPF nº 130, ministro relator Carlos Britto, Tribunal Pleno, j. 30/4/2009).

[4] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Saraiva, 2007, pp. 353-354.

[5] NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Direito e jornalismo – Atualizado conforme jurisprudência do STF, São Paulo: Ed. Verbatim, 2011, p. 147.

[6] Segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, “Embora o Pleno do STF tenha declarado não recepcionado pela Constituição de 1988 a Lei Federal nº 5.250/67, no julgamento da ADPF nº 130, a impetração não perdeu seu objeto porque o direito de resposta ainda encontra previsão legal no artigo 5º, inciso V, da CF e no artigo 14 do pacto de São José da Costa Rica” (STJ, RMS nº 14.577/DF, relator ministro Nefi Cordeiro, 6ª T., j. 11/11/2014).

[7] STJ, REsp nº 1.867.286/SP, ministro relator Marco Buzzi, 4ª T., j. 24/8/2021.

[8] Nos autos da qual, o Supremo Tribunal Federal declarou a “constitucionalidade dos artigos 2º, § 3º; 4º; 5º, §1º; e 6º, incisos I e II, da lei federal e a inconstitucionalidade da expressão ‘em juízo colegiado prévio’, do artigo 10 da Lei nº 13.188/15, conferindo-se interpretação conforme ao dispositivo para se permitir ao magistrado integrante do tribunal respectivo decidir monocraticamente sobre a concessão de efeito suspensivo a recurso interposto em face de decisão proferida segundo o rito especial do direito de resposta, nos termos da liminar anteriormente concedida” (STF, ADI nº 5.418/DF, ministro relator dias Toffoli, Tribunal Pleno, j. 11/3/2021).

[9] Ibidem.

[10] “Artigo 143 – O querelado que, antes da sentença, se retrata cabalmente da calúnia ou da difamação, fica isento de pena. Parágrafo único. Nos casos em que o querelado tenha praticado a calúnia ou a difamação utilizando-se de meios de comunicação, a retratação dar-se-á, se assim desejar o ofendido, pelos mesmos meios em que se praticou a ofensa”.

[11] Pode ser definida como o “reconhecimento do exercício do ato lesivo contra a vítima, através do qual se busca, comumente, resgatar a honra e a imagem ultrajadas” (DANTAS BISNETO, Cícero. Formas não monetárias de reparação do dano moral: uma análise do dano extrapatrimonial à luz do princípio da reparação adequada, Florianópolis: Tirant Lo Blanch, 2019, p. 238).

[12] “Tenho, portanto, como integrante do direito à reparação do dano moral a desconstituição pública, geral, das notícias anteriores causadoras da lesão, independentemente da compensação financeira pela dor, humilhação e sofrimento impostos à pessoa atingida. Não há bis in idem, nem condenação não prevista em lei, tampouco transmudação em direito de resposta, e de modo algum excesso. O que há, isto sim, pela conjugação da indenização com o esclarecimento público sobre a erronia e injustiça da matéria lesiva, uma reparação mais eficiente do dano causado” (STJ, REsp nº 957.343/DF, ministro relator Aldir Passarinho Junior, 4ª T., j. 18/3/2008. No mesmo sentido: STJ, REsp nº 1.440.721/GO, ministra relatora Maria Isabel Gallotti, 4ª T., j. 11/10/2016).

[13] “A compensação pecuniária não é o único modo de reparar o dano extrapatrimonial, sendo admitida a reparação in natura, na forma de retratação pública ou outro meio”.

[14] MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil, Rio de Janeiro: Forense, 2009, vol. V, t. II., p. 145.

[15] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, 3ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984, t. XXVI, §3.111, p. 43.

[16] Daí também advém a “extremada dificuldade do tema, conducente a uma verdadeira ‘jurisprudência lotérica'” (MARTINS-COSTA, Judith. Dano moral à brasileira, Revista do Instituto de Direito Brasileiro, ano 3, nº 9, 2014, pp. 7.104-7.105), que não se coaduna com o princípio da segurança jurídica.

[17] PEDROSO, Antonio Carlos de Campos. A reparação do dano moral, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v. 90, 1995, p. 192.

[18] Incorporado ao ordenamento jurídico pátrio pelo Decreto nº 678/1992.

[19] STF, ADPF nº 130, ministro relator Carlos Britto, Tribunal Pleno, j. 30/4/2009.

[20] STJ, REsp nº 1.771.866/DF, ministro relator Marco Aurélio Bellizze, 3ª T., j. 12/2/2019.

Autor: Por Renata Benitez, Gabriel Del Manto e Rebeca Jucá

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